terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Vento do Oeste

Compondo a música de Orlando, espetáculo do grupo Expressões Humanas inspirado no romance de Virginia Woolf (estreado em Fortaleza, novembro de 2013),

Nunca pensei que eu pudesse transitar entre o Sol e o Sol sustenido tão despudoradamente (digo, Sol e Lá bemol...). É o doce problema de fazer música no calor da intuição. Ela vem assim. Tori Amos tem sua intimidade com as fadas, pois a intimidade com as fadas que me chega é meio assim, fiel e traiçoeira na mesma patada afagadora.

Me encontrei com esse poema de Percy Shelley, uma uva que tive que descascar nessa empreitada. Ode to the west wind. Foi-me dado traduzido e recortado em um parágrafo curto, que só se deixou musicar quando li o inteiro, no original. Tem em crosta e recheio o espírito de Shelmerdine, personagem que traz a música, chamada "Vento do Oeste".

C       D    C       B   C           A C Bb
Ah, Vento que vem do Oeste
  Bb    C     Bb    A    Bb    C   Ab  G
Vai, leva'o meu pensamento
 Bb      C    Bb   A    Bb G    Bb   Ab
Como'as folhas secas dançam
 Ab   Bb     Ab G   Ab  F   G
Para'um novo renascer

C    Bb Ab G     F    G   Ab   F
A  magi-a    desses versos
  C D   Bb
difunde
 Eb   D   G Bb   D     C
Cinzas e centelhas
  D    C     Bb  Ab  G  G   F   G          Bb   G    F 
Como de'uma lareira sempre'ardente
   F     G    Bb G    F      G(Eb) 
Minhas palavras vão...

Acima, a notação deliciada na flauta doce contralto, indicando a melodia da voz cantada. A música, entretanto, não está no espetáculo. A cena para a qual ela foi feita é acompanhada pelo segundo "Vento", instrumental de flauta e violão, embalada pelo mesmo espírito.

Abaixo, a poesia de Shelmerdine, digo, de Shelley:


Ode to the West Wind

1
O wild West Wind, thou breath of Autumn’s being,
Thou from whose unseen presence the leaves dead
Are driven like ghosts from an enchanter fleeing,
Yellow and black, and pale, and hectic red.
Pestilence-stricken multitudes! O thou
Who chariotest to their dark wintry bed
The winged seeds, where they lie cold and low,
Each like a corpse within its grave, until
Thine azure sister of the Spring shall blow
Her clarion o’er the dreaming earth, and fill
Driving sweet buds like flocks to feed in air
With living hues and odours plain and hill;
Wild spirit which art moving everywhere;
Destroyer and preserver; hear, oh hear!

2
Thou on whose stream, ‘mid the steep sky’s commotion,
Loose clouds like earth’s decaying leaves are shed,
Shook from the tangled boughs of heaven and ocean,
Angels of rain and lightning! There are spread
On the blue surface of thine airy surge,
Like the bright hair uplifted from the head
Of some fierce Maenad, even from the dim verge
Of the horizon to the zenith’s height,
The locks of the approaching storm. Thou dirge
Of the dying year, to which this closing night
Will be the dome of a vast sepulcher,
Vaulted with all thy congregated might
Of the vapours, from whose solid atmosphere
Black rain, an d fire, and hail will burst: O hear!

3
Thou who didst waken from his summer dreams,
The blue Mediterranean, where he lay,
Lulled by the coil of his crystalline streams,
Beside a pumice isle in Baiae’s bay,
And saw in sleep old palaces and towers
Quivering within the wave’s intensive day,
All overgrown with azure moss, an d flowers
So sweet the sense faints picturing them! Thou
For whose path the Atlantic’s level powers,
Cleave themselves into chasms, while far below
The sea-blooms and oozy woods which wear
The sapless foliage of the ocean know
Thy voice, and suddenly grow grey with fear,
And tremble and despoil themselves: Oh hear!

4
If I were a dead leaf thou mightest bear;
If I were a swift cloud to fly with thee:
A wave to pant beneath thy power, and shave
The impulse of thy strength, only less free
Than thou, O uncontrolable! If even
I were as in my boyhood, and could be
The comrade of thy wanderings over heaven,
As then, when to outstrip thy skyey speed
Scarce seemed a vision, – I would ne’er have striven
As thus with thee in prayer in my sore need.
Oh1 lift me as a wave, a leaf, a cloud!
I faint upon the thorns of life! I bleed!
A heavy weight of hours has chained and bowed
One too like thee – tameless, and swift, and proud.

5
Make me thy lyre, even as the forest is:
What if my leaves are falling like its own?
The tumult of thy mighty harmonies
Will take from both a deep autumnal tone,
Sweet though in sadness, Be thou, Spirit fierce,
My spirit! Be thou me, impetuous one!
Drive me dead thoughts over the universe,
Like withered leaves, to quicken a new birth;
And, by the incantation of this verse,
Scatter as from an unextinguished hearth
Ashes and sparks, my words among mankind;
Be through my lips to unawakened earth
The trumpet of a prophecy! O Wind,
If Winter comes, can Spring be far behind?

Percy Bysshe Shelley
in Prometheus Unbound

Um comentário:

  1. ODE AO VENTO OCIDENTAL
    Percy Bysshe SHELLEY

    1
    Oh, Vento Ocidental selvagem, exalas dos seres do outono o cheiro,
    De tua presença invisível, as folhas mortas
    Lançadas são tal como fantasmas fugindo de um mágico.
    Multidões delas de peste acometidas !
    Amarelas, pretas, pálidas e sanguíneas! Ó tu
    Que, em carruagens, te transportas ao seu sombrio canteiro de inverno
    As sementes aladas, nas quais jazem frias e miúdas
    Cada qual como um cadáver na sua cova, até que
    Tua azul-celeste irmã da Primavera toque
    O seu clarim sobre a terra em sonhos, e encha de
    Pressurosos suaves rebentos iguais a flores povoando o ar,
    Nas planícies e colinas, com cores e odores vivos.
    Espírito selvagem que por toda a parte se move;
    Destruidor e preservador: escuta, oh, escuta!

    2
    Tu, em cuja corrente, em meio à íngreme convulsão do firmamento,
    Onde, como folhas murchas da terra, nuvens dispersas se derramam
    Galhos emaranhados do céu e oceano sacudiste,
    Anjos da chuva e dos raios! Aí espraiados
    Sobre a superfície azul de teu vagalhão etéreo
    Qual brilhantes cabelos levantados
    De alguma terrível Bacante, que vão da fina borda do
    Horizonte às alturas do zênite,
    As madeixas da tempestade que se avizinha. Nênias entoas
    Ao ano que se despede, para o qual esta noite se acaba
    Será a cúpula de um vasto sepulcro
    Construído com todo o teu poder concentrado
    De vapores, de cuja sólida atmosfera
    Chuva negra, e fogo e granizo arrebentar-se-ão: Escuta!

    3
    Tu que de fato acordaste de seus sonhos de verão,
    O azul Mediterrâneo, onde jazia,
    Acalentado pelo azul espiralado de suas correntes cristalinas,
    Junto a uma ilha de pedra-pome na baía Baiae,
    Viste adormecidos vetustos palácios e torres
    Agitando-se num dia mais intenso de ondas,
    Invasão completa de musgos e flores azuis
    Tão suaves que os sentidos não conseguem pintá-las! Tu
    Por cujo caminho as forças do nível do Atlântico
    Abrem-se em abismos, enquanto, bem no fundo,
    As florações marinhas e as florestas lodosas, que destroem
    A folhagem seca dos oceanos,
    Se agitam e se anulam, conheces
    Tua voz e súbito te tornas medroso: Escuta!

    4
    Ah, fosse eu uma folha morta que pudesses segurar,
    Ah, fosse eu uma nuvem veloz para contigo:voar
    Uma onda suspirando por sob teu poder e extirpar
    O impulso da tua força, só que menos livre
    Do que tu, ó incontrolável! Se pelo menos
    Ainda estivesse na minha infância e pudesse ser
    O companheiro de tuas andanças nos céus
    Pois então, quando fosse para superar tua velocidade celeste
    Mal pareceria uma visão, – Nunca teria eu feito tanto esforço
    Quanto assim contigo em prece nas horas de dolorida necessidade.
    Oh! ergue-me como se uma onda fosse, uma folha, uma nuvem!
    Caio sobre os espinhos da vida! Sangro!
    Um fardo enorme de horas acorrentou-me e me oprimiu
    Alguém também como tu – rebelde, dinâmico e orgulhoso.

    5
    De mim fazes a tua lira, igual assim à floresta:
    O que ocorreria se minhas folhas com as dela caíssem!
    A desordem das tuas poderosas harmonias
    Um profundo tom outonal retirarão de ambos,
    Suave embora triste. Sê tu, Espírito selvagem,
    Meu espírito! Fazes de ti o meu ser, impetuoso espírito!
    Conduze meus pensamentos mortos através do universo,
    À semelhança da folhas murchas, a fim de um novo nascimento apressar;
    E, pela magia destes versos,
    Difundir, como se viessem de uma lareira sempre ardente,
    Cinzas e centelhas, minhas palavras à humanidade
    Através de minha boca para uma terra adormecida
    Sê tu, ó vento, a trombeta de uma profecia!
    Com o retorno do inverno, não poderia a primavera logo sucedê-lo?

    - Percy Bysshe Shelley
    (Tradução de Cunha e Silva Filho)

    ResponderExcluir